Está escuro e o silêncio é ensurdecedor. Na verdade nunca posso culpar ninguém dos rasgos de racionalidade que tenho, os que me obrigam a desviar-me de viver de olhos fechados com uma melodia qualquer tranquila na cabeça. A culpada sou eu. Sei-o sempre, e basta-me parar para pensar friamente nas coisas, do lado de fora. Eu sei.
Disseste-me uma vez que eu me atiro de cabeça. Tens razão. Faço-o. Faço-o para fugir à frieza da minha racionalidade. E confesso, não gosto de estar em banho-maria. Só sei estar no gelo fino ou na chama que o queima. Não sei ser de outra forma. Tenho fome de viver. Não sei amar a 50, passo os 120. Passo os limites de velocidade, os limites de segurança. Espero o melhor dos outros porque lhes ofereço sem pestanejar uma vez sequer o melhor de mim. Acabo por me sentir vazia. Dou tudo, não me sobra o bastante.
O silêncio entra pelas paredes do quarto esta noite. Não o sei combater. Fico a imaginar o que te queria dizer sabendo que isso me traria mais silêncio. Ficarias imóvel. A falta de reacção arrasa-me. E aí o silêncio torna-se violento.
E se escrevesse vários capítulos da minha vida num livro bastaria a qualquer um ler o primeiro. Estou sempre a cometer o mesmo erro, escrevo capítulos iguais. Repito-me.
Dou tudo em troca de quase nada. Quando me vejo do lado de fora e acho que preciso de retorno percebo que não há nada a cobrar. Fui eu que dei tudo de forma gratuita. Por querer. Estou meio vazia de nada e pouco cheia de tudo.
Sou o ombro de lamentos, o poço de conselhos, o lenço que limpa lágrimas, o regaço de quem adormece a chorar. Sou o que as pessoas precisam que eu seja.
"Ela é forte, aguenta, não precisa que lhe limpem as lágrimas". "Ela é forte, não se vai chatear se não estiver lá, se lhe falhar". "Ela é prática, não precisa que lhe prometa nada". "Ela é independente, não sente a falta de ninguém". Parece fácil ser eu. Porra, parece mesmo fácil. Agora baixo os braços a esta imagem criada de mim - desisto de ser este eu.