Ter um "sexto sentido" que me alerta para a possibilidade de, ao subir a escada, colocar mal com o pé antes de chegar ao degrau pode ser tão libertador como castrador.
São muitas as vezes em que bato com o pé a meio do degrau e luto para não cair escada abaixo, numa dança mais que patética. E apesar de sentir um certo conforto em saber que o tenho, o tal do "sexto sentido", que se traduz na consciência clara de saber que devia levantar mais o pé, sei que sem ele teria a sorte não conhecer a sensação de aflição que se sente nos segundos em que ainda não sabemos se ficamos de pé ou se estiradas no chão.
E há palavras conjugadas em frases, e frases que se conjugam com pensamentos em voz alta, e mais palavras, umas com sentido, outras só sonorizadas, pensamentos inocentes que se libertam entre beijos, duros os pensamentos, macios os beijos, ao contrário deles, outros nem tanto, mais palavras, com os quais me distraio, com os pensamentos ditos em voz alta e muitas vezes com as minhas próprias palavras, que me facilitam tropeçar.
Sim, eu de vez em quando tropeço nos meus próprios pés. Quando tropeço na presença de alguém tendo a ficar de pé, dou a perceber que não sinto qualquer aflição nos momentos em que não sei se vou acertar com o pé no degrau ou acabar estirada no chão. Até porque esta será uma inquietude só minha. Faço o mesmo quando ouço verdades cruas. Mas estas, também elas embrulhadas em pensamentos em voz alta, com palavras e frases pelo meio, com verbos conjugados no fim, com ideias soltas que no entanto são alinhavadas com fios de raciocínio, desta vez já dentro da minha cabeça, são as que me fazem descer à terra, com ou sem degraus, e colocar-me um travão - ter a sensação de que estou a subir a escada a passo apressado? Ou apenas a um mais apressado. Vou meter-me um limite de velocidade. Na subida das escadas, nas palavras atiradas, nas frases sem sentença, nos pensamentos que se tornam sonoros. E sim, eu costumo parar ao sinal vermelho. E obrigo-me a abrandar no amarelo, onde se vive em slow motion.