Podia escrever a estória da minha vida, no seu período mais recente, em livro e ter apenas uma capítulo. O resto ficaria em branco. Aquele capítulo repete-se e repete-se e repete-se. Não valeria a pena acrescentar-lhe doses de uma estória com esperança, ou remate feliz, ou sequer colocar-me a ter fé. Não. ficaria o resto do livro em branco. O capítulo está sempre e repetir-se e não lhe consigo acrescentar nada.
E será só o período mas recente? Não consigo deixar de me questionar...haverá mais alguma coisa a escrever?
Para mim que vivo da escrita, que remato artigos todos os dias, que finalizo notícias, que coloco um ponto final numa "estória" não saber o que escrever na minha é perturbador. Todos as semanas quando o "produto" podemos chamar-lhe assim, vai para as bancas consigo provocar uma série de diferentes percepções, reacções, discórdias, alegrias. Consigo até ajudar pessoas em fases onde lhes falta a esperança. Provoco o sonho do fabuloso a quem não tem uma vida de sonho ou luxos. Quebro mitos velhos, arranco máscaras, reponho verdades e até desfaço mal entendidos. Amo a minha profissão, com as dores que de vez em quando me acarreta. Com as alegrias que me traz. Por estranho que isto vos possa parecer, um jornalista tem todas as emoções que uma "estória" ou notícia pode provocar antes de a dar a outros. Uma notícia em primeira é um parto. É muitas vezes violento como um parto. Como começar, até onde ir, como rematar, como interpretar o que o leitor vai absorver. Como o prender desde o início. Os leitores prendem-se no
lead, foi sempre o que me ensinaram e é a regra que respeito. Funciona. O leitor quer saber do que se fala logo nas primeiras linhas - as gordas como lhes chamam numa forma mais vulgar. E o artigo acaba com um remate que deixe o leitor com a sensação que que não ficou nada por contar.
E se aplicasse esta regra no tal capítulo numa hipotética "estória" da minha vida mais recente, ou nem tão recente, uma velha, a de sempre, a minha, o
lead...o que raio punha eu no
lead? E mais: que valor teria a "estória" de alguém cujo único capítulo se repete? E num remate grosseiro? Alguém quereria isso? Um remate grosseiro para ocupar espaço quando não se sabe bem o que escrever - talvez por não saber se a "estória" acaba aqui? Não posso deixar de me questionar.