terça-feira, 14 de agosto de 2012

Escreveu um dia sem saber que a marcava a ferro quente a palavra fado # 6 - pela Norman Diana Mendes

"Vou contar-te uma história. É sobre uma rapariga que vive no meu espelho. Uma rapariga, aparentemente, como qualquer outra. Cabelo loiro, olhos azuis, a maturidade e as cicatrizes que a vida passa quando deixa e, por outro lado, uma ponta de ingenuidade que mora sossegada num recanto do coração, a ingenuidade de quem sabe que o mundo é um lugar infinito e o Amor o único caminho de viajar sobre ele. Essa rapariga vivia ao sabor dos acontecimentos desenrolados, vítima de uma visão sonhadora e idealista da realidade, vítima da crença que o Bem pode existir sozinho e que pode anular o mal, vítima da crença de que toda a gente é pura e boa, no mais íntimo da sua alma. Ela sorria, um sorriso tímido e envergonhado, um leve esboçar de lábios tão ténue que muitos não o viriam, um sorriso melancólico e repleto do sal de uma tristeza interna e encarcerada. A certa altura, sem saber porquê, deixou de acreditar que o Mundo lhe pudesse dar aquilo que realmente desejava, deixou de acreditar em idealismos pouco reais e em mundos inteligíveis, e, pior de tudo, deixou de gostar de si mesma, sem entender o valor que algures pudesse ter. Por isso, vivia em função de momentos felizes, por vezes longos, por vezes fugazes, sem acreditar que a felicidade pudesse existir como um sentimento constante, incessante e permanente. A sua tristeza incrustada vivia vítima de um monstro habitante, o monstro da anorexia. Do ódio e repúdio pelo próprio corpo, dos vómitos voluntários e agonizantes, e da culpa que depois se instalava.
Mas o que te quero mesmo contar é o retorno da história desta rapariga que vive no meu espelho. Um dia, ela viu. Um brilho diferente, uma espécie de áurea crescente, uma doce e inexplicável sensação que a percorria entre as veias, entre o sangue, entre cada mais pequena e microscopia célula do seu corpo. Um dia ela viu o Amor, de calças de ganga e sorriso maroto. Entrava pela porta do café e pela porta do seu coração sem ainda saber, com uma força cheia de energia ainda que ela o tentasse negar a si mesma. Vieram as noites em branco, os suores frios, o nervosismo, a confiança e por vezes a falta dela, o frio na barriga, e tantos outros sintomas desencadeados como uma cascata impulsiva e incontrolável. O Amor entrou-lhe pelo coração de malas e bagagens mas, pela primeira vez, não teve medo. Deixou-se guiar pela corrente mágica e doce desse envolvimento, dessa conjunção irrepetível e única em toda a existência. Olhares tímidos, e conversas de pretexto para uma aproximação tão desejada acabaram por concretizar os seus maiores anseios e as certezas que já tinha (embora ainda não o soubesse reconhecer). Foi descobrindo, como um tesouro luzente, as maravilhas do Amor – o verdadeiro, que só agora havia encontrado. O toque que arrepia, faz suar a pele e provoca electricidade em todo o corpo; o beijo inigualável, percorrendo-a por todo o corpo, salivado de paixão e de desejo, percorrido por carinho; o olhar adocicado de quem diz tudo sem recorrer às palavras; a admiração colossal e o profundo orgulho. Sentiu, verdadeiramente, que não era mais ela mesma; agora, era mais como sempre havia sonhado ser, e foi capaz de olhar para si de forma real. A sua pele seca e insensível fora arrancada, e agora era uma pele mais macia, mais feminina, mais cuidada. O seu olhar triste e calado foi apagado, e substituído por dois círculos de mar, profundamente azuis e expressivos, cheios de vida e de uma profundidade maravilhosa. O seu corpo hediondo e monstruoso sucumbiu, e foi substituído por um corpo delgado, bonito, valorizado e estonteante. E, acima de tudo, o seu coração sem esperança, fechado a quatro chaves e cheio de cicatrizes sofreu um transplante, transformando-se num ninho e numa fonte infinita de Amor, de Felicidade, de Bem-estar, de Bondade, e de uma infinidade de sentimentos apaziguadores e, ao mesmo tempo, arrebatadoramente positivos.
E então a maior mudança deu-se: a rapariga no espelho transformou-se na Mulher que hoje sou. Por ti. Porque tu chegaste, com calma e com carinho, e, pela primeira vez em todo o caminho da minha existência, olhaste para mim, olhaste realmente para mim, para além de tudo o que aparento e de tudo o que é visível no meu exterior; olhaste nos meus olhos e mergulhaste no meu íntimo, sem medo do que lá poderias encontrar, sem receio nem pudor. E, mais importante de tudo, olhaste, descobriste-me, e quiseste ficar. Quiseste ficar no meu coração, de malas e bagagens, que é como quem diz de corpo e alma, cabeça e coração, porque descobriste em mim e no meu coração o teu lar de todos os dias, para toda a vida. E ele foi feito para ti, só para ti, cada recanto, cada lugar, cada milímetro, em toda a sua essência – constituem a casa construída para ti. E é por isso que podes morar nele, neste coração de uma assoalhada, onde todas as veias conduzem o sangue encarnado que pulsa a cada toque teu – porque eu amo-te, com todos os cantos arejados do meu coração."

8 comentários:

Bernardo disse...

Boa história

Diana Pereira disse...

Obrigada Pipoca pela publicação do texto. Esqueci-me de referir o meu blogue, mas para quem quiser: http://simplicidadeibomgosto.blogspot.com

Anónimo disse...

Das coisa mais lindas que já li. Adoro uma bela história de amor*

Anónimo disse...

Que lindo! Super bem escrito;) Parabéns Diana continua a escrever**

Anónimo disse...

Lindo!!!!!

mundoacores disse...

fabuloso
:)

Ana Marta disse...

qual é o e-mail para onde podemos enviar os textos? (:

Pipoca dos Saltos Altos disse...

pipocasaltosaltos@iol.pt