terça-feira, 3 de novembro de 2009

Eu confesso - é egoísmo

Nunca lidei bem com idas ao hospital. Não gosto de ir ver as pessoas que gosto amarragas à cama a lutar por uma vida que já não é digna de um ser humano. Não gosto de ver um familiar entubado. Não gosto de olhos vazios. Não gosto de luvas nem máscaras nem batas e toucas. Nem do barulho do esforço na luta por respirar.
Se por um milagre ele me reconhecesse tal como sou, nunca lá chegaria ao ver-me transformada num ser prestes a ser mandado para uma sonda espacial. Estive lá 5 minutos.
Muitas vezes chateiam-me porque pareço começar desprender-me das pessoas assim que me apercebo de que elas vão morrer. É verdade. Faço-o. Não lido bem com a morte, tento começar a amorná-la para ela não me apanhar a quente. É egoísmo. Eu sei. É.
Já lidei com ela demasiadas vezes para a deixar apanhar-me ainda perto.
Depois as pessoas morrem e eu viro carrasca de mim mesma. "Devia ter estado lá mais tempo, mesmo sabendo que ele não me reconhece, está ali por estar. Devia ter-me despedido. Mesmo sabendo que o cérebro dele não reconhece o significado de palavra alguma, devia ter-lhe dito que gosto dele".
Mas sei que caso decidas partir, partes com essa certeza e que percebes porque o faço. Já agora, tenho que te contar avô, fui eu que estraguei as tuas ferramentas no sótão a tentar afiá-las. Gostava de ver as faíscas que faziam quando as encostava àquela pedra esquesita que andava à velocidade, já furiosa, do meu bracito de 8 anos a dar à manivela. Pronto, era isto.

22 comentários:

Anónimo disse...

Como te compreendo... acabei por fazer o mesmo quando os meus avós ficaram doentes (cancro)... senti-me cobarde...
Fui passar férias para Maiorca quando o meu avô paterno já estava a perder a luta contra o cancro. Ele um homem que tinha sido super saudavel toda a vida.. que caminhava que se fartava. Ali estava preso a uma cama (ainda em casa) mt mt magro e apático.
Esperou que eu chegasse e morreu no dia a seguir.
Senti-me mal.. mas são defesas que criamos e preferimos guardar memórias boas da pessoa!
Sei que eles nos perdoam... lá no fundo estamos sempre lá a dar-lhes a mão.

Kiss e mt força *

mariana disse...

Compreendo perfeitamente o que estás a passar... dia 17 de Outubro fez um ano que o meu avô faleceu, adorava-o, aliás ainda adoro... Três semanas antes de falecer teve um edema pulmunar agudo muito grave, foi para o hospital, em estado critico... Como que por milagre, sobreviveu, uma semana internado em pneumo, e depois voltou, sempre pensei que ficasse bem, como era antes... mas todos os dias era uma incerteza... estará bem? ou com mais uma crise? Sempre em sofrimento, foi piorando, perdendo faculdades, até que teve multi enfartes cerebrais entrou em estado comatoso e passadas algumas horas faleceu. Despedi-me dele, foi muito dificil... ainda são dolorosas as recordações...
É sempre complicado lidar com estas situações, profissionalmente lido diariamente com situações semelhantes, mas quando é com pessoas próximas a capa cai e de nada te vale a experiência.

Ana. disse...

Desculpa comentar num texto tão íntimo, mas tinha de o fazer.
Eu nunca fui ver o meu avô ao hospital.
Não fui capaz. Porque aquele já não era o meu avô.
E não é egoísmo. É auto-preservação.
Um abraço.
;)

Nuvem disse...

Eu compreendo perfeitamente o que passas e pensas
Há menos de 5 meses perdi a minha adorada avó materna e as 4 semanas que passou no hospital, a perder qualidades, a definhar e a sofrerforam as piores de sempre.
Ver aquela milher forte e vaidosa a definhar com uma leucemia que a fez morrer de uma hemorragia interna foi muito duro para todos.
Acordar todos os dias a pensar se seria o último ou saltar de cada vez que o telefone tocava a pensar que era do hospital é algo que não desejo a ninguém.
Podes despedir-te do teu avô, ele saberá sempre o que sentias por ele.
E não te preocupes ... quem amas sabe disso, e muitas vezes até preferem que não se veja o estado em que ficaram nas camas de hospital.
Um beijo e coragem para estes dias

Ultima Thule disse...

É um processo natural.

Ninguém tem que se culpar de seja o que for. Ninguém é julgado.

:) disse...

Faço o mesmo que tu e pelas mesmas razões, desligo. Depois, de tão desligado que estou, já nem choro.

Todavia, sempre fiz um esforço desumano para lá estar. Engolindo em seco e desligando... mas estando lá.

Pólo Norte disse...

Escrevi uma coisa para ti lá no meu estaminé.

Estava entalado há dias.

Saiu. Espontaneamente. :)

Rosa Cueca disse...

Falamos sobre isto com um gin tónico à frente, pode ser?

Eu falo-te dos meus egoísmos e tu falas dos teus.
Depois podemos fazer uns silêncios e voltar a respirar fundo.

:) *

Margarita disse...

Impossível não deixar escapar uma lágrima :')! Um bjinho cheio de força*

L'Enfant Terrible disse...

Cada um tem a sua forma de lidar com a dor da partida e do sofrimento de quem se gosta. Não és egoísta, só o eras se não pensasses na pessoa e a prova disso é que lhe dedicas-te um post.

ML disse...

Nunca fui ver o meu avô, a minha bis-avó, e nem o meu bis-avô, ao hospital. Nunca os fui ver da forma que não os queria recordar. Sabia que essas imagens tristes não me sairiam da cabeça mesmo tendo milhares de outras imagens felizes, muito felizes. Por isso optei, e quis ficar com as felizes. Só.

Summer disse...

Eu também não me despedi do meu. Fiquei no carro, cá fora, à espera e disse à minha mãe que iria ver o avô no dia seguinte...pois...

Há coisas que marcam e há dias que deviam definhar e esfumar-se na nossa memória. Por outro lado, teríamos tendência a repetir os mesmos erros.

Beijo P. *

continuando assim... disse...

ai ai

o egoísmo é abominável!!!!

bj
teresa

pfa disse...

O meu Avô partiu este Junho passado. Num processo que durou apenas uma semana. Também assim que recebi a noticia de que tinha tido um AVC, me desprendi, me despedi. Talvez também por egoísmo ou mais por protecção. Já vi partir algumas pessoas relativamente próximas, mas este meu avô...era a mais próxima de todas. A minha mãe ainda se conseguiu despedir dele em vida. O hospital ficava longe (covilhã) e nem sequer coloquei a hipótese de ir logo também. Nesse dia penso que já não me reconheceria. Sinceramente acho que se estivesse perto estaria lá... mas nessas alturas sinto-me frio, estranhamente alheado. Mas lá no fundo sei que é uma carapaça, porque sem ela sei que não conseguiria ser útil em quem precisa de mim nesses momentos. Um beijo e força para ultrapassares este momento mais triste.

Estrelinha disse...

Cada pessoa reage de maneira diferente à dor. A tua forma é uma defesa para te proteger de experiências que já passaste.
Bjs

Miss Complicações disse...

São estas coisas que nos tornam fortes. Tu que o digas caramba!!
Anda lá miúda. Coloca os saltos altos e tourea esta vida. Afinal é o que tens feito e com tanta marrada que já levaste estás inteirinha.

Queria ver Pedrito a tourear de Saltos Altos. Isso é que era bonito de se ver. Era dessa que ficava sem os ditos.

Pipoca dos Saltos Altos disse...

Vocês são todos muito especiais. Ele é teimoso, talvez consiga contrariar a doença mais uma vez.
Obrigada a todos.

Lila* disse...

Eu estive quase 3 anos com a mh av´´o assim. Sem ela falar, mas no entt ela sabia quem nos eramos e foi mt, mt complicado:(
Foram dias terriveis em q me esqueci por completo de quem ela era=(


Nao sabia q conhecias ansiao:)

Dexter disse...

Não é egoísmo, é parte de se ser humano e é um mecanismo de defesa que nos permite tentar sofrer menos. Eu tb sou um bcd assim. Tive a sorte de ter crescido até aos meus 15 anos com a minha bisavó, que smp foi como uma mãe p mim (sim, bisavó!) e qdo ela morreu (n foi de repente, já se esperava) n verti uma lágrima. E sinto-me horrível por isso, mas só eu sei o que sofri. É a mente humana...

ninguém disse...

Oh... =(
Já passaram mais de 10 anos desde que perdi os meus avós. Era uma miúda, chorei, custou-me, mas quando somos miúdos parece que as coisas doem menos. O meu acto egoísta? Às vezes, não, muitas vezes, sinto-me agradecida por tê-los perdido tão cedo. Se fosse hoje, não teria sabido perdê-los... pronto, já disse. =/

Anónimo disse...

Ando há uns dias a pensar qual seria a melhor forma de escrever aqui um comentário. Porque tinha mesmo de o escrever. E o comentário não é dirigido à Pipoca, porque ela sabe o que penso do que ela escreveu. Já lho disse. E posso afirmar aqui que até a admiro por ter admitido publicamente algo que não é politicamente correcto e assumir uma das suas fraquezas. Mas isto ela já sabe. O que queria comentar é que, em alguns comentários que por aqui li, parece-me que, das palavras delas, se gerou algo que torna este assunto mais leve. Longe de mim querer julgar alguém, ou querer achar que sou melhor que alguém, e, dizendo desde já que estou a passar por uma situação difícil com a minha mãe doente e, que, por isso este assunto de hospitais e visitas me toca muito, acho que sim, que tem um quê de egoísmo não irmos visitar quem está doente num Hosiptal. E dizer que é um questão de nos defendermos e protegermos é apenas algo que dizemos para não sentirmos remorsos. Mas é nessas alturas que as pessoas mais precisam de nós. E por norma ninguém gosta especialmente de ir a Hospitais. Mas há alturas em que, infelizmente, temos lá pessoas queridas e a quem a nossa visita vai trazer um pouco de alegria. Por mais que nos custe.

Anónimo disse...

A primeira vez que vi a minha mãe num hospital tinha 14 anos. Hoje tenho 33 e a minha mãe continua cá, a viver. Já fez até hoje 7 operações, é uma lutadora. Sempre a apoiei, pensando nela, não em mim. Sofri muito, mas estive sempre lá. Hoje sou eu que estou doente. Estou do outro lado, sou eu que preciso dos mimos e do apoio. Se ouvisse de alguém o que aqui li num comentário : "Não é egoísmo. É auto-preservação.", ficava muito triste. Quando se gosta de alguém não se pensa em protecção pessoal, o outro está primeiro.
Eu sei que tenho amor incondicional. Esta é a minha opinião, os meus sentimentos.
Cada um é livre de pensar por si.
Sílvia.