sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Ninho

Um destes dias um conhecido perguntou-me se o meu ninho era acolhedor. Não lhe soube responder, nunca tinha pensado nisso.
Saí de casa dos meus pais com 17 anos. Vim para Lisboa estudar e trabalhar. Fui viver sozinha, numa casa só para mim durante um ano. Nunca gostei daquela casa, nunca lhe chamei lar. Sempre que podia, e eram muitas as vezes contando que do meu curso era a única caloira de fora de Lisboa, enchia a casa de gente. Caloiros, veteranos, pessoal do trabalho. Começou a ser a casa de encontro de amigos, mas quando lá estava sozinha, e não sou nada de solidões, nunca olhei para as paredes como minhas, nunca me identifiquei com elas. Os restantes anos de faculdade foram passados a partilhar casa, nunca foram um lar. Anos depois fui viver com um namorado. Entre várias casas alugadas nenhuma deles me fez sentir que ali pertencia. Depois comprei casa, tive um ninho. Foi o escolher, o mobilar, o decorar, o ter as ideias, o dar aquele toque absolutamente pessoal. O que eu adoro aquela casa. Tudo tinha um sentido, era ali que me via por muitos anos. As paredes virgens de memórias começaram a guardar segredos e sonhos. Projectos e histórias, a manter calor, a guardar imagens e segredos. Sussurros. A albergar familiares uma vez ou outra. Teve um jantar de Natal com a família toda. Fazia sentido. Tinha pormenor, traços de personalidade de duas pessoas. Tinha um propósito. Podia ter tido crianças a correr de um lado para o outro. Podia ter tido um escritório transformado numa outra coisa qualquer. Tinha recordações de viagens pelas paredes. Fazia sentido. Foi um ninho. Talvez tenha sido um lar.
Tal como os passarocos, quando têm por sobrevivência que aprender a voar, caí do ninho.
Agora, não acho que tenha um ninho, um lar. O meu quarto na casa dos meus pais, onde só vou de duas em duas ou três em três semanas, também já não é o meu. Passou a ter uma mobília de casal, demasiado adulta. Já não tem a escrevaninha, nem aquelas prateleiras que exibiam as minhas taças e troféus do futebol e do atletismo. Já não tem as minhas tralhas, foram encaixotadas. Já não têm uma colcha divertida, tem uma enfadonha em tons pastel, tem tapetes às riscas, tem uns creme que a minha mãe faz questão de não me deixar pisar calçada. Já não tem junto à janela uma escada de ferro que ligava ao sótão. Já não posso fugir pela janela a meio da noite para me sentar lá a fumar um cigarro e a olhar para as estrelas. A ouvir os grilos e as cigarras, os sapos, os gatos, os cães. Mudaram-me de quarto também. Pronto. Não tenho ninho.

22 comentários:

eu... disse...

Faço tuas as minhas palavras.
Por isso acho que está na hora de arranjar um...

eu... disse...

Que grande estúpida que eu sou... Queria dizer: faço MINHAS as TUAS palavras, obviamente.

Poetic Girl disse...

Eu gostava de ter um "ninho" também. Ainda vivo com a minha mãe e cada vez menos sinto que aquilo seja o meu ninho... :) beijocas

ninguém disse...

Hmm eu ainda não tenho um ninho... mas sinceramente neste momento acho que onde quer que estivesse, não ia ter um... falta-me... qualquer coisa... há uma ausência que não me deixa "aninhar-me"...

Laetitia disse...

Mas aposto que quando menos esperares vais encontrar um ninho bem fofo e confortável :D

Ruben Alves disse...

O ninho é um lugar de conforto e de bem estar. Geralmente aceitamos o ninho parental por ser o primeiro/único durante muitos anos.
Depois, ao crescer temos de aprender a construir o nosso próprio ninho.

Confesso, que também estou na tua situação. Neste momento a minha casa é um lar, mas não um ninho. Não sinto aquela coisa do conforto/segurança que um ninho supostamente deveria dar.
O meu verdadeiro ninho foi vendido há 6 meses... Logo, já nem tenho quarto na casa dos meus pais...

Sabes, o teu texto deixou-me pensativo. Talvez a ideia do ninho é mesmo só aquele no qual não temos preocupações, questões e chatices. Ou seja, depois de deixar a casa dos pais, deixamos efectivamente de ter ninho.... Talvez volte mais tarde durante a vida... Mas para já, sinto-me como tu, sem ninho, sem abrigo para me refugiar ou esconder... Apenas um sítio onde dormir.

Saltos Altos Vermelhos disse...

eu sinceramente considero esta nova casa o "nosso ninho" e espero ter viver tão feliz lá como fui na anterior!
Tens de arranjar um novo ninho!

Luís disse...

A casa para mim é onde se pendura o casaco... embora até seja relativamente caseiro, nunca senti muito apego a uma casa em especial. Gostava de ter a minha (o ninho mesmo) um dia, mas enquanto não chega, estou preparado para deixar tudo para trás e recomeçar.

Há muitos lugares onde te podes esconder - the world is your safe spot - se calhar precisas de um carro ;)

:) disse...

Deram cabo de um quarto fixe lá de uma casa que era, completamente, o teu lar.

Detesto quando fazem isso... :S

MC disse...

Pipoca, tu até confundes as pessoas... :)

Pois eu assim que vim dos EU tive que arranjar logo o meu "poiso". Que ainda é o mesmo. Já teve tanta modificação que até já perdi a conta.

Até há relativamente pouco tempo tinha também um ninho no norte. Depressa o senti meu tambem. Havia aquela sensação de chegar a casa... Mas estava enganado. Não era meu! Nunca foi. As pessoas enganam-se com demasiada facilidade porque muitas vezes o nosso desejo ultrapassa a realidade...

Não é a casa dos meus sonhos - muito longe disso - nem está onde eu sinto que pertenço - que é no Restelo - mas é a unica coisa que eu posso dizer que é minha e que ninguém até hoje me conseguiu tirar. Não que não tivessem ideias...

É, aconteça o que acontecer, o meu abrigo. Dormir à chuva ou em local emprestado... vai ser dificil!

*

Pedro Bom disse...

Com a devida diferença da casa e das memórias... como te compreendo!!

Ultima Thule disse...

eu vou na fase:

"fora de casa dos pais a estudar"

e não creio que arranje um "ninho" tão cedo.

Joaninha disse...

Snif agr depois de te ler cheguei a conclusão k tb não tenho ninho...que desde que sai de casa dos meus pais, tb com 17 anos, o meu quarto já não é o mesmo...tb vivo sozinha numa casa que não sinto totalmente minha....preciso de um ninho :( :)
beijinho e bom fim de semana**

Demóstenes disse...

Depois da Diáspora estudantil tornaste-te apátrida...

Aconteceu-me precisamente o mesmo.

continuando assim... disse...

faz favor de arranjar um!!

bj
teresa

Katty disse...

oias!
somos 2. Tambem não tenho ninho. Mas está nos meus planos futuros criar um bem acolhedor =)

Pedro Bom disse...

Ahh e estou em negócio p novo ninh,
para contribuições, pf solicitar NIB eheheh :)

Coffee Taste disse...

Vou contar-te um coisa... Não preciso dizer-te quantas casas tive, em que circunstâncias me mudeie i quanto algumas mudanças foram duras. Tu estavas lá, amiga... Mas, vou-te contar que esse história do ninho eu compreendo. Sou uma ave estranha, nidifico onde poiso. Voltar para casa nunca foi para mim voltar a um lugar, mas uma sensação. Constroi o teu ninho de dentro para fora. Beijo, e tens sempre um poleiro aqui.

Anónimo disse...

Por outro lado, não ter um ninho também pode ser não ter raízes-amarras que te prendam!
Podes voar para Sul, e deixar o ninho para a Próxima Primavera...

Rosa Cueca disse...

Se calhar tiveste um ninho porque pela primeira vez conseguias ser tu mesma a tua casa, sentias as tuas divisões preenchidas e um calor para além de uma qualquer manta no sofá.

Há muitas alturas em que sinto que não pertenço a lado nenhum, mas ponho-os de lado porque o nosso verdadeiro lar está nos sítios onde fomos felizes e, mais que isso, está nos sítios em que nos permitimos sonhar.

Miss Complicações disse...

Popkorn tu és uma cidadã do mundo. Não tens de ter ninho. Se quiseres um á sempre um cantinho aqui no meu coraçon. ;)

Jukinha disse...

Senti o mesmo quando saí de casa e fui viver para Luanda!

O quarto que deixei, o meu cantinho, virou um espaço da casa que cada vez que volto a Portugal tem uma coisa nova que não fui que pus lá!!

Em Luanda tentei criar o meu ninho, e ao longo do tempo consegui sentir me no quarto que deixei para tras como sendo meu ninho!!

Adorei o teu blogue :) Parabens!
Vou te seguir :)