quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Restart

Um amigo perguntou-me como se pode fazer restart ao coração. Não lhe soube responder, que sei eu do coração? Acho que não se pode, não há uma forma, um botão. Deixa-se lá tudo o que vivemos, dores incluídas, e espera-se que as coisas se transformem, as memórias se percam e o azedo na boca mude de sabor para qualquer outro paladar mais agradável.
Vivem-se as dores e cresce-se com elas. Aprendem-se lições e espera-se que o organismo cuspa o sabor tóxico que nos ficou preso à garganta. Atenuam-se as mágoas com calmantes (amigos) e espera-se que o tempo faça o efeito que queremos: que provoque o esquecimento.
Deixam-se as lágrimas cair para nos lavar a alma, e elas vão cair várias vezes, e olha-se para o céu para se evitar o escuro da espiral que parece ser o sítio onde queremos estar.
Rasgam-se cartas, postais e fotografias. Deitam-se fora presentes. Muda-se de rotina. Muda-se de cenário. Muda-se de sítios. E o coração lá por dentro, enquanto as coisas por fora vão mudando, vai sofrendo mudanças também. Até que um dia, depois de termos chorado 476 dias, ou outro número qualquer, e nos termos massacrado com o fracasso que se agarra à nossa mente, acordamos e damos um sorriso. Um que seja provocado pelo sol, pela chuva ou por outra coisa, isso agora não interessa nada. Um que seja retribuído a um estranho, a um amigo, a uma criança. E um dia, quando menos esperarmos, se tivermos sorte e a audácia de o aceitar, um sorriso que seja provocado por uma nova pessoa que nos entre vida adentro.
Mesmo com o medo de sabermos que corremos o risco de passar por todo o processo de carpir dores novamente, mais 476 dias, segundo a Pólo Norte.
E quando olharmos para trás, num dia já distante, podemos dar-nos ao luxo de nos presentear com a sentença: agora sei porque é que não resultou com ninguém antes. Um dia...se tivermos essa sorte.
É que restart é uma coisa que não se pode fazer. Nem sequer rewind.
E como não sei responder à pergunta, espero que o teu sorriso não tarde a chegar. E que ao contrário de mim, não demores mais do que 476 dias para esquecer e 725, ou outro número qualquer, para dares por ti a oferecer um sorriso a um estranho, sem medo de passar por tudo outra vez. E teremos sempre medo, eu sei.

"No one can find the rewind button, girl.
So cradle your head in your hands
And breathe..."

15 comentários:

Rosa Cueca disse...

Tinha acabado de pensar nesta música :) *

Petra disse...

O tempo não cicatriza totalmente, mas é sem dúvida o melhor cicatrizante.
Junto com a motivação e a força de vontade....
contudo é importante que ambas estejam aliadas ao tempo. bjos

The Cherry on Top disse...

que texto maravilhoso.
acho que é msm assim. não é possivel fazer um restart. temos é de encontrar a forma de dar a volta por cima. e ser feliz exige e vale o sacrificio.
espero que o teu amigo consiga. :)

Sílvia disse...

Não há, de facto, restart para o coração. E se marcou o suficiente para desejarmos um dia fazer esse restart, é certo que ficará para sempre guardado na motherboard. Mas uma vez aprendida a lição não nos vai fazer a minima "comichão" saber que lá está armazenado. Faz parte da nossa história e ainda bem. Há gente que não as tem e é bem mais triste viver com tanto espaço livre na dita.

MissGummyBear disse...

Eu cometi o erro de reproduzir a música primeiro e depois ler o texto (ora portanto, ao som da música). Deixa lagriminha no canto do olho mulher, adorei :)

Ricardo disse...

Muito boa esta alternativa ao restart - escrito assim parece tão fácil quanto carregar num botão...

;)

Microondas disse...

Na minha opinião o coração não precisa de restart. o que precisa de restart é a nossa mente, a necessidade que temos de associar ao amor (e medição do seu sucesso) a retribuição, quando a capacidade de amar per si (com esforço é certo), e sua manifestação, é algo que nos deve encher de orgulho e, por isso, permitir com o tempo, como dizes, seguir em frente. Quem ama sem correspondência nada perde objectivamente. Pois nada havia a perder. E foi curioso encontrar este texto quando acabo de redigir o um texto relacionado com a coisa para amanhã, com um pouco desta perspectiva que aceito "diferente" sobre o amor não correspondido (ou maltratado, para o qual a receita é igual).

PS - não concordo absolutamente nada com rasgar fotografias, deitar fora presentes, etc, mas cada pessoa é uma pessoa. O que eu vivi é importante pelo que eu senti e representou para mim, não pela forma como a outra pessoa correspondeu ou sequer como se comportou comigo. As coisas podem ir para um cofre do Banif, mas para o lixo não vão certamente.

Lady disse...

Era bom termos o poder de fazer restart quando assim fosse necessário. Mas a verdade é que embora na altura não seja agradavél todas essas situações nos fazem mais fortes.
Tal como disse o capitão microondas também não concordo nada em deitar fora lembranças, mas sim guarda-las no fundo de um armário até a mágoa passar.
Mas não somos todos iguais!
Beijos

Jane disse...

O tempo e os amigos. Acho que ainda é o melhor que conseguimos.
*

Pedro M. disse...

Para fazer restart ao coração basta proceder ao entalamento do São Bernardo em novo, fresco e agradável vasilhame. Tenho dito.

daniela fernandes disse...

encontrei o teu blog numa revista, já não me lembro do nome . mas achei que era interessante , pelo menos pela forma como o descreviam :D
sigo-te * adorei!

mundoameuspés disse...

Tudo a seu tempo e com mta força de vontade se ultrapassa :)

Adorei o teu texto, e por ser tão verdade, caiu cá umas lagrimazitas ;)

Pólo Norte disse...

A minha opinião no meu burgo.

S* disse...

O tempo não cura, mas ameniza a dor... Todos sabemos disso, a partir do momento em que sofremos o primeiro grande desgosto.

R* disse...

Querida roubei o texto e coloquei no meu blogue devidamente identificado! Espero que não importes. Adorei mesmo, as coisas são mesmo assim...