Quem cresceu fora de uma grande cidade sabe que há expressões, comportamentos,
cusquices, tradições e afins que só se encontram nas
terrinhas. Na
terrinha toda a gente sabe o teu nome e de quem és filha.
Na
terrinha toda gente sabe se bebes, se fumas, se namoras, onde trabalhas. E a cada vez que passas a pé um(a) velhote(a) qualquer vai atirar (e eles acham que falam baixo) qualquer comentários sobre ti: "olha, vai ali a
Caniggia". "É a filha da X, não é? Está uma mulher!". "Ela de certeza que ganha bem, vê-se pelas roupas." E quando não sabem alguma coisa, inventam e acreditam nisso, passa a verdade e sem margem para dúvidas.
Estive quatro dias seguidos na
terrinha dos meus pais, um
record que não batia há anos. E o que trago de lá são mesmo umas boas gargalhadas e
estórias engraçadas.
A FESTA LÁ DA TERRA
Bailarico com músicas de Tony Carreira e associados, pipocas,
minis, algodão doce, velhotas a olhar para mim de alto a baixo, mãe e pai mortos de riso por me verem a dançar músicas pimba. Rifas, romarias,
reencontro com pessoas que não via há sei lá quanto tempo.
Pipopos manhosos, muito manhosos. Perguntas disparatadas de pessoas que mal conheço mas a quem a minha vida parece interessar muito. Emigrantes que estão em França há um ano e já não sabem falar português. Mais gargalhas da mãe e do pai por verem o meu jogo de cintura a esquivar-me das velhotas chatas e dos rapazes dos piropos manhosos.
Ò Pipoca, mas afinal o que são piropos manhosos?, perguntam vocês..
"As tuas pernas não acabam". "Contigo era mesmo para casar". "Estás livre?". "
Páh, conheço-te desde sempre e cada vez te acho mais bonita, é que ainda por cima tu cheiras sempre bem". "Vi-te numa revista, tu és poderosa!". "Soubesse eu que ias ser este mulherão e tinha ficado contigo desde o ciclo, na altura em que gostavas de mim e eu não te ligava grande coisa. É que na altura ainda não usavas saltos altos". (e outros que tenho vergonha de escrever aqui, são mesmo
mauzinhos).
A VERGONHA NO BAR
IN DA CIDADE
Quinta-feira à noite, bar na cidade, música ao vivo, ambiente mais selecto, saída com a V e a M. A meio da noite começo a sentir o peso de olhares em cima de mim e um dedo a apontar na minha direcção. "Sim, é aquela rapariga ali. Ela vem cá muitas vezes". Mentalmente grito um
WTF. Olho à volta e vejo o dono do bar com uma revista aberta na mão a apontar para mim. E fez isto em várias mesas do bar. Ia morrendo de vergonha, baixei os olhos e decidi que precisava de um copo para aguentar aquilo. A V e a M riam-se a bandeiras despregadas. Pondero pedir à
VIP e à TV7Dias uma indemnização por danos morais. Uma fotografia do tamanho de um selo e tanto alarido, isto só mesmo nas
terrinhas.
DOS PASSEIOS E DOS GELADOS DE ÁGUA
Foi das melhores coisas nestes dias, e já tinha saudades. Amigos, passeios e gelados de água (daqueles com bolacha). E os passeios de bicicleta? E andar a correr entre cães e gatos quintal fora? E aguentar uma tarde inteira o pai a ouvir
Elvis a altos berros? E a mãe que nos arrasta sempre que vai a casa de alguma vizinha? E a avó que se pendura no nosso pescoço horas e horas, sem largar e que como já não consegue lembrar-se à primeira do nosso nome nos chama
afincadamente de "
amiguita" e acredita que é mesmo o nosso nome? E as velhotas que nos dão mãos cheias de rebuçados por acharem que ainda temos idade para sermos tratadas por
garotinhas? E as que nos tentam impingir os netos? E as que nos reprovam com as expressões: "Com a tua idade já tinha dois filhos". Com a tua idade já te devias ter casado". "Já és das poucas solteiras, olha que depois ninguém te pega". "Tantos rapazes cá na terra e vocês só gostam dos meninos das cidades". "E filhos?"
DAS EXPRESSÕES (e estas fazem-me sempre rir, por muito que as ouça, e parece que há um
fetiche com raios)
"Alma do Diabo!"
"Não venha um raio que te parta"
"Raios te abrasassem!"
"Raios partam a miúda!"
"Cachopos de um raio!"
E é por isto tudo, com coisas boas e outras nem tanto, que gosto da minha
terrinha. E os papás ficaram todos contentes de me terem lá estes dias, e eu também.