Sabem aquelas noites inquietas? Aquelas em que vos apetece ficar sozinhos, a pensar na vida,a tentar arranjar uma solução para outra qualquer inquietude? Aquelas, sim aquelas, em que os cigarros não são pensativos, noites perdidas a pensar e que acabam sem que possamos chegar a uma conclusão, tomar uma decisão? Pois, toda a vida tive noites dessas. Até ao dia...
Durante as últimas férias, aquelas em que fiz o cruzeiro, tive uma noite revelação (que merda de nome). Uma noite que me mudou a vida, a noite em que mudei de vida.
A noite do fuck it, uma noite em que olhei para dentro de mim e me vi, realmente, lá no fundo, atolada em merdas que não interessam a ninguém. Presa com estacas do passado, do presente, por regras e amarras sem sentido.Estavam 31 graus em alto mar, à 01h00 da manhã e decidi ir para a proa, de margarita na mão, maço de tabaco na outra. O vento batia-me com força na cara sem conseguir levar o calor. Num instante desatou a chover e o céu começou a piscar. Negro, rosa-choque, negro. Rosa, negro outra vez. Os relâmpagos sucediam-se, atropelavam-se com a pressa de rasgar o céu e na minha cabeça começavam a suceder-se mudanças. Olhei-me para dentro.
Fumei mais um cigarro, agora abrigada da chuva mas sem conseguir abandonar a proa, apenas recuei uns metros. Olhei-me para dentro outra vez. Sai da proa horas depois com uma cabeça nova. Uma cabeça sem merdas. Uma cabeça sem preconceito nenhum, uma cabeça prática. O que decidi? O que mudou?
Decidi que ia sair da minha bolha de protecção, que ia viajar sozinha, que ia conhecer pessoas novas só porque sim, que ia a um bar de jazz assim que regressasse a Lisboa, que ia dar-me. Que ia aprender a dançar tango. Que ia quebrar as regras. Que ia agarrar todas as gargalhadas que pudesse.
Voltei para dentro do barco. Dancei o twist com um velhote de 70 anos, kizomba com um puto de 15. Fiz brindes à vida com uma espanhola de 52 anos que trabalha na ONU e que me contou a vida toda. Andei a correr descalça a fugir de um segurança peruano pelo navio, de corredor em corredor, à procura do Deck 5 ímpar para ir beber cerveja de lata (acto rebelde e ilegal pois claro, nem sei como conseguiram trazer a cerveja para dentro do barco) com os crupiers do casino (por sorte não fui apanhada e eles não foram despedidos). Não contive as gargalhadas e gozei com a cara do segurança que não percebeu uma única palavra do que eu disse, quando me apanhou e me perguntou se estava perdida e o que fazia descalça àquela hora. Escondidos bebemos as cervejas, rimos, dançámos, falámos da vida. Um bando de estranhos a pisar a linha, a rir, a traçar planos, a partilhar histórias.
De volta a Lisboa mantive firme as decisões que tinha tomado, continua a ligação a essas pessoas, as novas pessoas, mantêm-se as decisões, mantém-se a cabeça vazia de merdas.
Continuam os e-mails, as piadas, os encontros relâmpago para comer pastéis de nata em Lisboa a cada vez que o barco atraca. A promessa do encontro com todos em Buenos Aires daqui a dois anos. (Pablo, é o tempo que tens para aprender a dançar o tango, é uma vergonha seres argentino e não o saberes dançar).
Tomei decisões para o futuro.
Arranquei vírgulas e meti pontos finais. Coloquei-me prazos. Arrumei-me. Apaguei números de telefone, apaguei pessoas. Deixei-me de fretes, agora não sorrio a ninguém para parecer simpática, não deixo de dizer nada só para não magoar egos. Comecei a falar com pessoas que não conheço de parte nenhuma, a olhá-las nos olhos. Fui a um jantar de estranhos e conheci pessoas maravilhosas (sim, pessoal da rambóia, vocês que estão a ler contenham as lágrimas, sim?). Depois daquela noite voltei a ser eu, a que se tinha perdido há uns anos e agora se reencontrou. Tive uma noite "revelação", eu que pensava que isso só acontecia aos outros, ou em filmes.
Bem, já devem ter reparado que acabei por juntar dois posts num. Isso porque tinha prometido um "Momentos a bordo", bem cá vão fotos e tudo e tudo com legendinhas e essas fôfuras. (Não, a minha mãe não lê o meu blogue)
A foto
deste episódio.
A Gravata do Pablo. Pronto, eu explico. Acho que ficava melhor na minha perna que no pescoço dele e como ele partilhava a mesma opinião...
Outra noite, a mesma gravata...Virou moda.
:)
A vista (de dia) do fim do deck 5
E vocês? Que gostavam de mudar na vossa vida?